segunda-feira, 2 de julho de 2012

Aurora

Estudar LIBRAS nunca me havia chamado à atenção, como faz parte do currículo do meu curso, não tive escolha. Envergonho-me por ter me sentido assim. Meu primeiro contato com a matéria foi assistir a uma palestra. A palestrante, Pedagoga e Interprete em LIBRAS, fêz uma pergunta: - quem no auditório tem ou teve contato direto com uma pessoa surda? Alguns alunos responderam. Eu fiquei calada. Eu tive uma irmã surda, foi alguém com quem brinquei na infância, foi alguém que vi sofrer, como eu, a perda prematura dos pais. Se hoje, para alguns, os recursos ainda são inacessíveis, na época foi ainda mais dificil. Minha irmã chamava-se Aurora, e mesmo que dissessem o contrário, eu a achava inteligente e capaz. Quando nasci, ela tinha dez anos. Eu pude crescer e lutar contra os revezes da vida, mas não fiz por ela o que prometi; primeiro por que não podia, e depois porque estava ocupada com minha própria vida. Esperei tempo demais para estender-lhe a mão. Ela faleceu aos 60 anos. Guardo dela o olhar, que às vezes percebia, um olhar que queria falar e que tinha a dizer.

Segundo as informações que tenho recebido, só para dar um exemplo: A surdez pode ser causada por bactérias na vida intra-uterina; a rubéola, ou adquirida; a meningite. O que pressupõe que a pessoa possa ter outros problemas relacionados. Ocorre também que o tardio diagnóstico da surdez retarda o aprendizado da criança que passa a ser isolada em seu mundo, sendo entendida ou mesmo vindo a ter sintomas de problemas mentais. Sabemos que neste mundo, surdos e ouvintes estamos todos sujeitos a problemas diversos. A surdez em si, pode ser uma diferença que, em nada limita a pessoa. Quanta diferença não diagnosticada pode existir no nosso coração, que nos coloca na mira da incompreensão e da comparação injusta. Até que um dia um trecho de um livro, ou um grito na esquina nos identifique dizendo que não estamos sós. Uma diferença, bem direcionada, pode mostrar as riquezas, que se fizeram tesouros pelo tempo em que ficou escondida. Como os desafios que ousamos enfrentar. O retorno do enfrentar desafios, muitas vezes, são frutos preciosos.

Esta cadeira de LIBRAS despertou em mim o desejo, a responsabilidade, de fazer o curso da língua de sinais, por causa da história, da necessidade que a criou. É a historia fascinante de um povo que grita no silêncio, porque nós os ouvintes somos surdos demais. No nosso “altruísmo” queremos que o outro se adeque, com sua diferença, à nossa forma de viver. Mas só quem sabe, a melhor maneira de adequar- se às diferentes situações é o próprio ser. Dizem que a necessidade é a mãe da criatividade, o homem criou tanto para o próprio bem-estar. E cada um de nós luta para criar para si o que necessita; mais espaço, mais direitos. Como querer criar para o outro a forma adequada de comunicação no silêncio? Só sabe buscar dentro de si uma resposta satisfatória, aquele que dela necessita.

O implante coclear em bebês tem sido oferecido como solução, não sei até que ponto este procedimento impõe restrições. Mas pelo que pude entender até aqui, surdos adultos escolhem e pregam a língua de sinais como a forma saudável de se comunicar e, que proporciona, crescer sem limites em qualquer área; seja do conhecimento ou do sonho que possa vir a ter. Basta querer.

A cada dia eu tenho mais certeza de que, depois de Deus, só quem sabe o que é melhor para si, é o próprio ser.


Marina,

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